Na pensão - pequeno conto.

By m.regina
Aqui há um quarto pequeno. Paredes azuis e sujas, um homem sentado em um canto, uma cama, janelas fechadas. Alem mais uma escrivaninha vazia e um armário. Há manchas nas paredes. Sons e luzes de fora adentram pelas frestas horizontais da janela, deixando trilas na poeira visível que paira suspensa. O homem está sentado no chão, segurando os joelhos e virado para a parede entre a janela e a escrivaninha. Ele não parece nada bem, murmura coisas sem sentido sobre caixas e escrever. Não há muito mais para ver. Passam-se doze minutos.

O homem dá um tranco forte com a cabeça para o lado, nada mais mudou desde então. Seu rosto é cansado com olhos loucamente lúcidos, seus lábios se movem rapidamente enquanto resmunga da luminosidade. Ele olha para cima. De cima o cômodo é um quadrado quase perfeito, com uma porta na parte anterior da aresta vertical esquerda, uma escrivaninha intermediando esta mesma aresta e o homem, na outra ponta. Na aresta vertical direita, o armário que dá frente à porta e uma cama pequena à escrivaninha e ao homem, que levanta-se lentamente. A aresta horizontal posterior é onde existe a janela, grande e ocupando o lugar central, em baixo dela um baú. Na outra aresta não havia nada alem de uns quadros velhos e sem importância. As paredes eram azuis claras e o teto azul escuro, com uma lâmpada pendurada bem lá no alto.

O homem caminha até a janela, suas roupas são curtas. Inclinando a cabeça o homem espia para o lado de fora por uma fresta. A luz ilumina com uma facha seus olhos e outra seus lábios fechados. Está muito frio. A luz que vem de fora é mecânica, assim como os sons, na escrivaninha tem um relógio que mostra oito e catorze, mas ele não se move mais. Depois de poucos minutos o homem começa a murmurar outra vez, desinclinando-se e dando as costas para a janela, ele sacode a cabeça e abraça o próprio corpo fazendo movimentos de fricção para cima e para baixo sobre os braços desnudos. Resmunga da temperatura e caminha em direção ao armário. Troca-se: Veste uma calça, uma blusa, um casaco, meias, um cachecol, um chapéu e sapatos. Pega um papel na escrivaninha e sai. Passam-se quatro horas e vinte e sete minutos até que alguém entre no quarto novamente.

Os sons e a luz do ambiente haviam mudado quando a mulher entrou. Mecanicamente caminhou direto em direção a cama, que pôs-se a esticar, depois para a escrivaninha e em seguida abriu a janela. Luz natural entrou e dançou em piruetas com a poeira que o movimento perturbou. A mulher tossiu um pouco e saiu do quarto, apenas para pegar um aspirador de pó e logo estava de volta. Era uma mulher jovem e vestia roupas largas e claras, apertadas por um avental na cintura, usava os cabelos claros presos em uma trança e tinha vários panos sobre os ombros. Pegando um deles rapidamente ela abafa um espirro, e depois outro. Resmunga sobre a poeira que o metrô trás e liga a maquina na tomada, que em seguida começa a fazer um barulho estrondoso perto do quase silencio que havia no quarto. Ela então começa a passar a cabeça do aspirador pelo chão e em cima e em baixo dos moveis, depois disso vai embora batendo a porta. O quarto está vazio e silencioso novamente, um avião passa e faz barulho, somando com o canto de algum passarinho que empoleiro-se em algum lugar nas proximidades.

O sol corre no lado de fora, passam-se dois dias até que quando a luz que entra pela janela aberta se torna avermelhada, o homem entra pela porta. Com ele uma maleta. Joga a mala no canto entre a escrivaninha e o baú violentamente, então senta-se na cama. De repente ele grita. Mas para logo, tapando a boca com ambas as mãos. Seus olhos bem abertos começam a brilhar de um jeito frio, as mãos sobem para a testa e seus cotovelos descem até os joelhos. Curvando o tronco para frente, o homem chora. Lentamente se levanta e fecha a janela, porem sem deixar de exitar por alguns instantes. Ele caminha arrastado até o armário, onde delicadamente guarda as roupas que tira, até ficar completamente nu.

Choramingando ele caminha olhando para seus pés até o canto superior esquerdo do quadrado. Chegando lá, inclina lentamente apoiando pela cabeça na intersecção das duas paredes o peso do corpo. Sua boca fechada emite um som agudo e inconstante, semelhante a um uivo abafado. Lágrimas caem sobre a maleta sem produzir som. Começa a esfriar novamente.

Passam-se quarenta e dois minutos sem movimento. Mas silencio. O homem não chorava mais. As luzes mecânicas voltaram, tal como os barulhos e a poeira, tudo igual. Finalmente ele se meche, senta-se no baú de costas para a janela. Seus lábios se movem
novamente, mas se nenhum som. Outro espasmo, acompanhado de uma exclamação gritada. Silêncio, ninguém responde.

Ele olha para o armário enquanto fala. Na porta, um espelho de corpo reflete a outra porta.Tudo está no lugar. E grita.

O homem levanta e abre os braços olhando para cima. Um farol passa e desenha um cometa de poeira flamejante que corta o quarto. Ele então com os braços abertos girando e clamando. Nenhum tipo de reação a aqueles gritos mais que um eco distante ocorre; não há nada na completa inércia do quarto que não reafirme maior desolação. Ele baixa os braços, e caminha até a janela, abre-a. A luz e uma leve brisa inundam o quarto, barulhos de rua entram no quarto como se este tivesse entrado na rua. O metrô: Um buraco bem na frente da janela de onde pessoas entram e saem o tempo todo, freneticamente, como artérias de um coração com um ritmo eterno.

“Eu sei que você me escuta.” Murmura o homem. Suas mãos repousam sobre o parapeito da janela enquanto seus olhos pousam sobre o viaduto ruidoso a andares de distancia. Ele mal vê as pessoas, mas o som trás o pior de seus existirem plurais para a cabeça do homem, que começa lentamente a serrar os punhos. Uma música toca distante, a ponto de só ser possível ouvir as notas graves do baixo, e ele sorri grato por isso. Dá um passo para trás, e mergulha na garganta da noite.

Passaram-se várias horas até que alguém mais uma vez entrasse no quarto. A mesma mulher de antes. Entra, e executa a exata sequência de movimentos da ultima vez, sem ter conhecimento do ocorrido anterior. Contudo desta vez organiza a escrivaninha. Não havia nenhuma carta ou bilhete lá. Nenhum diário. Apenas folhas em branco, que empilhara antes de sair.
 

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