Sobre a janela

Category: , By m.regina

Aquele ali é um esquilo, só isso. Não é um esquilo especial, ele não passa de mais um qualquer dentre os muitos que eventualmente perambulam por aí a fora no quintal da casa. Eu fico dentro da casa, não tenho certeza se eles sabem que os observo.
Os esquilos não ficam muito tempo no mesmo lugar, mas desta janela tenho uma visão privilegiada do quintal, por isso na maior parte das vezes posso ver onde estão, entretanto nunca um esquilo demonstrou ter consciência sobre minha presença. Eu não me escondo, fico sempre neste mesmo lugar parado observando-os sem me preocupar, mas ainda assim nenhum deles jamais cruzou seus olhinhos negros e ansiosos com os meus, nunca. De uns tempos para cá comecei a pensar que talvez não tenham a capacidade de enxergar através do vidro.

Me perco as vezes em pensamentos durante minha vigília, em reflexões sobre seus olhos e suas ocultas ânsias, na incógnita força que os impulsiona em suas atividades rotineiras e cansativas, sempre com tanta inquietação, quase histéricos. Já houve vez em que me vi também histérico de tanto olhá-los. Definitivamente não são inteligentes. Ainda assim me distraio com diálogos imaginários, conversas e debates sobre principalmente o que os inspira e suas resoluções a respeito da vida que levam, até que finalmente me dou conta do meu absurdo e me calo envergonhado.

Deveria sair, deveria conversar com os esquilos cara a cara, deveria tentar entender o que tanto me fascina. Como gato, a resposta para essa pergunta certamente seria meu espírito predador, arquitetando a emboscada, observando a presa. Antes fosse algo simples assim, não haveria razão para tanta vergonha. Mas a verdade é que nunca poderia matá-los, nunca poderia feri-los nem mesmo pensar neles como presas. Eles me fascinam. A verdade e a vergonha, senhores, é que eles me seduzem.

Torturo-me com esta constatação a semanas, pois o por quê, a razão deste sentimento absurdo me é completamente desconhecida, e maior que minha ilógica paixão apenas o martírio gerado por esta ausência de respostas; Como o destino pode me pregar uma peça tão doentia? Como explicar este sentimento que me sentencia a passar minhas tardes neste parapeito, nesta prisão que eu tanto amo quanto abomino? Como pode tanto ódio e repulsa que este ultraje me proporciona recair, não sobre os verdadeiros culpados, mas sobre mim mesmo, pobre vítima desta loucura?!

Eu sou incapaz de odiá-los, incompetente em qualquer outro sentimento que não este absurdo amor que me humilha perante minha própria razão. Não tenho como lutar. Meu orgulho em pedaços, meu bom senso, tudo o que restava de mim agora não passam de fantasmas abafados atrás de uma janela de vidro, que meus olhos marejados não conseguem mais ultrapassar.
 

3 comments so far.

  1. Sib 15 de dezembro de 2008 às 19:04
    gatos choram?
  2. m.regina 15 de dezembro de 2008 às 19:44
    Peguei meu gato chorando hoje, deve ter comigo muito rápido. u.u
  3. cora 25 de dezembro de 2008 às 09:42
    eu amei o 3º parágrafo.

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